Política
07/08/2020 09:23

Exclusivo: Senado analisa projeto que pode dificultar competição no transporte de passageiro


Por Amanda Pupo e Anne Warth

Brasília, 06/08/2020 - Parlamentares voltaram a se mobilizar no Congresso para mudar as regras de transporte interestadual e internacional de passageiros, o que pode privilegiar as empresas que operam no mercado e protegê-las da competição. O assunto entrou no radar por meio de um projeto no Senado que derruba decreto que regulamenta o regime de autorização para o segmento. Se aprovada, a proposta pode inviabilizar o modelo atual, dificultando - e até impedindo - a entrada de novos players no setor, avaliam técnicos do governo e do legislativo ouvidos reservadamente pelo Broadcast.

De autoria do senador Weverton (PDT-MA) e relatado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), o projeto está na pauta do Senado desta quinta-feira (06). O decreto alvo da proposta foi editado pelo Executivo em novembro do ano passado, e é considerado um novo marco regulatório para o setor. Ele buscou esclarecer algumas regras do regime adotado no transporte de passageiros interestadual e internacional, que desde 2014 mudou do modelo de permissão para o de autorização.

No regime de autorizações, qualquer empresa pode prestar o serviço, sem restrição e com liberdade de preços. Já as permissões exigem licitação. Pelo decreto, o governo definiu conceitos que, na prática, abriram caminho para que novas autorizações sejam deferidas e mais empresas explorem o serviço de transporte interestadual e internacional de passageiros. Se a norma for derrubada pelo Congresso, esse regime seria inviabilizado, assim como a entrada de outros players, apontam técnicos. A título de comparação, o transporte aéreo de passageiros é realizado por autorização - ou seja, sem licitação para escolha de operadores e com preços livres

No legislativo, a justificativa é de que a licitação para a delegação dos serviços de transporte interestadual e internacional seria algo "indispensável". "O regime de liberdade de preços impede o controle público das tarifas cobradas dos usuários, o que vai de encontro ao princípio da modicidade tarifária", afirma Marcos Rogério em seu relatório.

Ao Broadcast, o senador disse que "defende publicamente os termos da lei de liberdade econômica", mas que é um "cumpridor da Constituição", citando artigo que prevê a realização de licitação para a concessão ou permissão na prestação de serviços públicos por terceiros. Técnicos alertam, no entanto, que a Constituição não define que o transporte interestadual ou internacional de passageiros deve ser feito por concessão ou permissão, o que possibilita que o regime de autorização seja usado no setor.

Além disso, outra avaliação feita é de que as licitações exigidas no passado eram inviáveis tecnicamente, já que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não conseguia licitar novas linhas de ônibus. Com isso, se formou uma reserva de mercado que impedia a entrada de outros players. Por isso, na prática, o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros operou por mais de vinte e cinco anos sem licitação, mesmo com o regime de permissão, o que afronta a Constituição, alegam os técnicos.

Para eles, essa configuração do mercado é ruim para o interesse público e extremamente benéfica para os atuais operadores, que atuam com liberdade de preços em um mercado protegido da competição. Marcos Rogério, no entanto, argumentou que o regime de autorização, ao dispensar a licitação, acaba por privilegiar empresas. "A intenção do governo de ampliar a concorrência eu concordo, mas o mecanismo adotado é inconstitucional", disse.

Tentativas

É a segunda vez em 2020 que parlamentares buscam mexer nas regras de transporte de passageiros. No início do ano, houve uma tentativa fracassada de alterar o regime por meio da Medida Provisória 906, sobre a criação de plano de mobilidade urbana por municípios. No Senado, a MP havia sido relatada pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que incluiu a mudança no seu parecer.

Como mostrou a Coluna do Broadcast, familiares de Acir Gurgacz são donos do grupo Eucatur, que opera empresas de ônibus interestaduais que ligam a Região Sul a Estados do Norte do País como Acre, Amazonas e Rondônia. Procurado, à época ele disse que o regime de permissões é o mais adequado, pois permite que a ANTT regule o setor, organize as linhas e verifique onde é preciso mais empresas e ônibus. Afirmou ainda que a Eucatur atua há 56 anos e não é dele, mas de seus pais. "Isso não me deixa desconfortável. Estou atuando naquilo que conheço e tenho condições de dar uma opinião técnica", disse na ocasião.

Apesar das tentativas, o relator da MP na Câmara, o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR) rejeitou as emendas de Acir Gurgacz. A justificativa de Fruet é que as emendas tratavam de temas não relacionados à mobilidade urbana da MP.

contato: amanda.pupo@estadao.com; anne.warth@estadao.com
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