Por Augusto Decker
São Paulo, 30/09/2020 - Os estoques físicos de etanol hidratado no Brasil vêm crescendo a níveis acima de anos anteriores, mesmo com a menor produção do biocombustível, em decorrência da queda da demanda do País no atual ano-safra. Especialistas afirmam que há um lado positivo: o alto volume é indício de que o País não terá problemas de abastecimento durante a entressafra, que começa nas próximas semanas e vai até março de 2021. No entanto, o alto volume de estoques pode atrapalhar a recuperação dos preços, que recuaram fortemente em decorrência da pandemia de covid-19.
De acordo com o Sistema de Acompanhamento da Produção Canavieira do Ministério da Agricultura, atualizado na última terça-feira (29), o estoque físico do hidratado estava em 7,309 bilhões de litros no Brasil em 15 de setembro. O volume representa aumento de 19,69% ante igual período de 2019 e de 6,53% ante 2018. Em 2018 e 2019, nesse mesmo período, o estoque estava, respectivamente, em 6,861 bilhões de litros e 6,106 bilhões de litros.
Além disso, nos dois anos anteriores, a produção de etanol acumulada na safra era maior do que em 2020. Embora a safra atual de cana-de-açúcar esteja adiantada por causa das condições climáticas - portanto com maior volume processado -, o mix foi mais açucareiro, levando a uma queda no total do biocombustível. Este ano, até 15 de setembro, haviam sido processados 474,5 milhões de toneladas de cana e produzidos 21,98 bilhões de litros de etanol. O volume da moagem em 2020 está 5,69% maior do que em igual período de 2019 e 10,17% superior ao de 2018. Porém a produção do biocombustível caiu ante 2019 e 2018, respectivamente, 7,01% e 3,51%.
Com os estoques nesse patamar, os preços do hidratado - que, em São Paulo, estão no menor preço real para este período do ano desde o ano-safra 2010/11 - podem ter problemas para se recuperar. Relatório do banco Santander sobre o setor sucroenergético publicado na segunda-feira, 28, afirmou: "Apesar da melhora na demanda, maiores estoques e preços voláteis do petróleo nos levam a acreditar que preços de etanol podem ficar limitados nos próximos trimestres".
A professora Mirian Bacchi, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq/USP e coordenadora da equipe de etanol do Cepea, também crê que os estoques podem influenciar preços. "Os estoques têm um componente negativo para o setor sucroenergético relacionado aos custos financeiros (custos de oportunidade) decorrentes da manutenção do combustível no tanque, podendo também afetar o preço na medida em que há necessidade de liberar espaço para armazenar produto novo", afirmou ela por e-mail. "Isso ocorreu em alguns momentos do presente ano-safra, especialmente no início da moagem da cana." Ela destaca ainda que os preços poderiam ter caído ainda mais se as exportações e o uso de etanol para outros fins não tivessem aumentado.
Por outro lado, ela destacou que o aumento na armazenagem pode ter acontecido por causa de uma "visão mercadológica madura" das unidades produtoras, que buscariam evitar um aumento expressivo da oferta durante a safra, o que pressionaria ainda mais os preços. O diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio Padua Rodrigues, afirmou que houve maior investimento em estocagem por parte das empresas do setor. "As companhias, sabendo da pandemia e que haveria desajuste, aumentaram os pleitos de nova tancagem", disse.
Bacchi afirma que uma retomada dos preços deve depender, principalmente, de uma retomada da demanda doméstica, que levaria ao uso dos estoques já existentes. "As exportações têm registrado aumento, e os produtores devem aproveitar essa janela de mercado para escoar o produto excedente, mas a retomada da demanda doméstica é importante para dar suporte aos preços."
Além do retorno da demanda, um fator relevante é que, durante a entressafra, a moagem de cana terá redução drástica, portanto haverá oportunidade de liberar os estoques. O diretor da Bioagência, uma agência de fomento de energia e biomassa, Tarcilo Rodrigues, estima que a demanda deve se recuperar. "Daqui para frente, a produção vai diminuir e a demanda deve se recuperar de forma gradual", afirmou. "Nas nossas projeções, o mercado está em equilíbrio."
Padua, da Unica, destacou o lado positivo do alto patamar dos estoques: a garantia de abastecimento durante a entressafra, evitando a necessidade de importação. "O importante é que esse volume será suficiente para nos atender nesse período." O abastecimento deve ser tranquilo tanto para o etanol hidratado quanto para o anidro - usado na mistura com a gasolina, afirma ele. Os estoques de anidro, diferentemente do caso do hidratado, não estão acima da média - inclusive, em 15 de setembro, o volume no País estava praticamente igual ao da mesma época de 2019 e menor do que em 2018.
"No ano passado, entrou mais etanol importado e tivemos redução na venda. Agora, como houve redução de importações e o mercado de gasolina caiu menos que o do hidratado, o anidro está mais ajustado do que o hidratado", diz Pádua. "Mas o volume de estoque de anidro também é suficiente para garantir o mix de 27,5% durante a entressafra."
O etanol de milho, que segue sendo feito durante a entressafra da cana-de-açúcar e vem tendo produção crescente, também foi citado como um alívio para a entressafra.
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