Por Leticia Pakulski
São Paulo, 22/10/2020 - A demanda da China pela soja dos Estados Unidos e a percepção de que o país asiático terá de recorrer por mais tempo ao produto norte-americano após os atrasos no plantio no Brasil têm dado sustentação aos preços futuros da oleaginosa na Bolsa de Chicago (CBOT). O contrato mais líquido, para janeiro, voltou a subir nesta quarta-feira (21) e acumula ganhos de mais de 4% em um mês. Analistas não descartam correções no curto prazo, mas avaliam que, em um cenário de estoque limitado nos EUA, quaisquer novas ameaças climáticas à safra sul-americana ao longo do período de plantio e desenvolvimento abrem espaço para altas adicionais dos futuros em Chicago e dos prêmios pagos pela safra 2020/21 do País.
FOTO: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
Segundo a analista Daniele Siqueira, da AgRural, a China comprou em 2020 grandes volumes de soja do Brasil para suprir as suas necessidades e recorreu aos Estados Unidos principalmente para entrega no último trimestre, aproveitando a fase 1 do acordo comercial entre as duas nações. "O normal seria, depois que passar esse período, entrando a safra do Brasil, os chineses se voltarem para os embarques do País, porque é a nossa janela de exportação e eles já compraram volumes aqui para a safra 2020/21. O problema é que, com atraso no plantio da soja no Brasil, fica a dúvida de quanto o Brasil vai conseguir exportar em janeiro", disse a analista.
Daniele lembra que normalmente os embarques de janeiro são compostos pelo que sobra da safra anterior e pelos primeiros lotes formados da nova temporada. “Em 2021 não vai ter soja da safra anterior, porque praticamente acabou a soja do Brasil. Compradores oferecem preço cada vez mais alto e não conseguem originar o grão. Ou seja, não tem estoque de passagem, e a soja vai demorar para chegar em janeiro.”
Conforme a analista, mesmo que produtores brasileiros consigam plantar a todo vapor daqui para frente, se as previsões de regularização das chuvas se confirmarem, o atraso inicial reduz o volume que deve ser escoado nos primeiros meses de 2021. "O que se espera com isso é que a China continue comprando nos EUA para embarque até fevereiro, caso contrário ela pode ficar descoberta, sem soja no começo do ano”, diz Daniele.
O prolongamento da demanda chinesa nos EUA aperta ainda mais os estoques norte-americanos. Em seu último relatório de oferta e demanda, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) reduziu a previsão de estoque final do país em 2020/21 de 12,52 milhões de toneladas para 7,90 milhões de toneladas, após o relatório trimestral de setembro mostrar uma virada de ciclo mais apertada do que o esperado e com ajustes na expectativa de área colhida e demanda na atual temporada. O número representa queda de 44% ante a safra 2019/20. "Se houver problema climático capaz de causar quebra de safra no Brasil, a China precisaria importar mais dos EUA, que estão com estoques reduzidos. Isso causaria uma pressão ainda maior nos estoques norte-americanos, puxando Chicago para cima", projeta Daniele.
No Brasil, a consultoria encerrou o acompanhamento da comercialização da safra 2019/20 o fim de agosto, quando 95% da produção havia sido vendida. "Depois disso ainda vimos o mercado interno bem ativo, buscando originar soja no spot, e isso jogou os preços mais para cima. Do fim de setembro para cá ainda vemos preços subindo, mas as vendas são poucas, às vezes não tem nem indicação nominal de preço porque simplesmente não tem mais mercado para 2020. Isso é um sinal de que terá pouca soja para virar o ano", assinala Daniele. A analista acrescenta que, como os preços internacionais subiram muito nos últimos 30 dias, os chineses podem colocar um freio nas compras nos EUA, mas sem interrompê-las totalmente. "A China fica numa situação complicada: e se não comprar agora e a safra do Brasil quebrar? Aí o preço pode subir mais ainda e vai ter menos soja, então vão ter que pesar essas duas coisas", aponta.
A analista Ana Luiza Lodi, da StoneX, reforça a possibilidade de a CBOT esticar ganhos caso se mantenha a combinação de demanda chinesa por soja dos EUA e incerteza sobre a safra no Brasil. “Do lado da oferta, se tiver problema de clima na América do Sul, haveria espaço para novas altas. Do lado da demanda, só o fato de a safra brasileira atrasar, mesmo que ela ainda possa ser recorde, significa que os EUA vão ter uma janela de exportação maior, até janeiro, e que pode crescer ainda mais a demanda pela soja norte-americana, e isso poderia dar mais suporte aos preços.”
Segundo Ana Luiza, a percepção de que os EUA seguirão exportando bons volumes é reforçada pelo forte apetite chinês por grãos para ração. Após uma primeira metade do ano em que a China buscou reforçar as reservas para se proteger de riscos logísticos ligados à pandemia, agora é a recomposição dos rebanhos suínos com a recuperação da peste suína africana que alimenta o ritmo de importação de soja. “Os chineses estão mantendo uma reação muito acelerada da produção de suínos e têm que garantir essa soja no exterior.”
O gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti, aponta, ainda, que a demanda firme da China por soja pode estar relacionada também ao modelo escolhido para reformulação do rebanho suíno no país. “É possível que a genética utilizada tenha uma conversão alimentar inferior, por isso acaba consumindo um pouco mais de ração. Daí essa necessidade adicional de soja também.”
Bellotti também vê a possibilidade de novas altas em Chicago. O analista aponta que, além da revisão para baixo dos estoques de passagem nos Estados Unidos, os rendimentos agrícolas da safra norte-americana são menores do que a expectativa inicial e dia após dia o USDA tem reportado novos avisos de vendas dos EUA para exportação. “Isso deixa o balanço norte-americano um pouco mais apertado e acaba colocando pressão na próxima safra aqui na América do Sul. Todo esse atraso que a gente está tendo este ano no plantio acaba adicionando volatilidade para o mercado”, afirma.
Para Bellotti, se as chuvas indicadas nos mapas se confirmarem, produtores brasileiros têm capacidade de maquinário para semear rapidamente. “Agora, assumindo que consigamos avançar no plantio, o mercado ainda vai ficar atento ao clima no desenvolvimento", diz o representante, lembrando que se trata de um ano de La Niña, que pode causar estiagem no Sul do Brasil e na Argentina. Além disso, destaca Bellotti, o atraso da semeadura principalmente do Centro-Oeste pode levar a uma concentração do plantio e, por consequência, do desenvolvimento das lavouras.
No caso de períodos de adversidades ao longo do ciclo, elas podem atingir uma parcela maior da produção do que se o plantio tivesse ocorrido de forma mais alongada. "Qualquer choque climático pode vir a ter um impacto maior no total a ser produzido aqui. É isso que tem contribuído para dar um pouco de sustentação aos preços em Chicago.”
Para o representante do Itaú BBA, à medida que o plantio avançar, seria normal uma correção nos preços, mas a evolução da safra brasileira seguirá no radar dos investidores. "O mercado vai ficar bastante sensível a qualquer sinal de intempéries que possam vir a afetar a safra, primeiro por causa dessa concentração da produção no Brasil, e, segundo, porque o balanço global depende da safra da América do Sul", disse.
Prêmios em alta
Além do suporte aos preços em Chicago, o atraso no plantio no Brasil, que compromete a disponibilidade esperada para o País no começo do ano, pode dar impulso aos prêmios pagos no País, já que estende o período de entressafra. “Isso deve deixar os prêmios no início do ano aqui no Brasil em patamares bastante fortes, portanto o preço no mercado doméstico seria firme também em janeiro", afirma Bellotti. O representante lembra que, mesmo com a retirada da tarifa de importação de soja de fora do Mercosul, a conta ainda não fecha para trazer grandes volumes de soja dos EUA e a janela para importar é relativamente curta até janeiro.
Os prêmios para a safra 2020/21 já estão acima de igual período do ano passado. Ana Luiza, da StoneX, aponta que os prêmios para março em Paranaguá estão entre US$ 0,89 e US$ 0,93 por bushel acima da CBOT, ante US$ 0,23 a US$ 0,28 por bushel há um ano. Já os prêmios para fevereiro estão ainda mais firmes, na faixa de US$ 1,20 e US$ 1,38 por bushel, contra US$ 0,33 a US$ 0,39 por bushel um ano antes. “Vamos virar o ano com estoque reduzido, existe a possibilidade de atraso na entrada da soja no mercado e a safra brasileira já está muito vendida. Tudo isso está influenciando no prêmio mais alto para fevereiro”, pondera.
Na avaliação dela, há espaço para o prêmio subir mais, uma vez que o balanço mundial depende do que vai acontecer na América do Sul e anos de La Niña podem trazer perdas. “Se tiver quebra, por exemplo, no Rio Grande do Sul, a situação de oferta de soja ficaria bem mais apertada no mundo, e poderíamos ver prêmios mais elevados.”
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