Por Leticia Pakulski
São Paulo, 26/08/2020 - A Cargill pode rever investimentos na produção de biodiesel no Brasil caso seja reavaliado o aumento progressivo do porcentual do biocombustível no diesel ou reduzida a mistura obrigatória, disse o presidente da empresa no Brasil, Paulo Sousa. "Nossos planos podem, eventualmente, ser revistos por causa dessa nova incerteza em relação à aplicação dos mandatos", disse Sousa em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro. Distribuidoras de combustíveis têm defendido a redução na mistura do biodiesel no diesel argumentando que a oferta é insuficiente para atender à demanda, o que é contestado por associações de produtores do biocombustível.
O governo reduziu de 12% para 10% a mistura do biodiesel ao diesel para as entregas em setembro e outubro do Leilão 75 (L75). O leilão foi interrompido na terceira etapa pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), chegou a ter sua retomada suspensa por decisão judicial mas acabou sendo reiniciado na etapa 3 na última quinta-feira e continuava até hoje. A redução no porcentual desagradou aos produtores. Foi criado um comitê interministerial que terá integrantes dos produtores e distribuidoras, além da ANP e do Ministério das Minas e Energia (MME), para acompanhar a oferta e demanda de diesel B e biodiesel para os próximos meses. A legislação atual fixa porcentuais crescentes de mistura obrigatória do biodiesel no diesel, de 13% (B13) em março de 2021, 14% (B14) em março de 2022 e 15% (B15) em março de 2023.
Sousa diz que a Cargill está acompanhando as discussões, mas "preocupa bastante" a possibilidade de retrocesso no mandato em um momento em que esmagadores se preparam para atender ao aumento da mistura até 2023. "É suficiente para gerar atenção sobre a necessidade de mais estudo e conforto para ver se a rota esperada se mantém", afirma o executivo.
De acordo com ele, a expectativa do setor é de que o plano de porcentuais crescentes de adição do biodiesel ao diesel siga o programado. "Com que tranquilidade uma empresa que planejava investir, aumentar a sua capacidade, vai fazer isso sabendo que pode ter uma canetada e volta atrás (no mandato)? Isso não está alinhado com o que se espera de um mercado claro e com previsibilidade", afirma.
Logística - Paralelamente, a empresa vê a possibilidade de ampliar investimentos em logística no País, principalmente em hidrovias e portos com os volumes cada vez maiores de exportação de grãos do País. "Temos hoje uma presença bem equilibrada em portos, mas em alguns lugares há necessidade de renovar concessões e, em outros, existe a chance de greenfield (novos projetos). Isso também traria a necessidade de aumentar um pouco a nossa frota hidroviária", afirma Sousa. A empresa vê oportunidades tanto para o Arco Norte como para a metade Sul, mas por enquanto não revela detalhes. Sousa adianta apenas que uma obra de ampliação de terminal operado em Santos em joint venture com a Louis Dreyfus Company (LDC) deve ser concluída no ano que vem.
O executivo destaca, por outro lado, o ganho de "eficiência e competitividade" do transporte ferroviário brasileiro, citando os investimentos feitos por Rumo e VLI nas estruturas de escoamento de grãos. "O salto de eficiência nesse fluxo Mato Grosso-Santos de ferrovia foi notório. Estamos agregando mais riqueza aqui no Brasil comparando com os cenários do passado", disse o executivo. "Quanto mais ferrovias, melhor", completou Sousa, ao ser questionado sobre a previsão para o primeiro trimestre de 2021 do início das obras da Ferrovia de Interligação do Centro-Oeste (Fico) e do leilão para concessão da Ferrogrão. "Espero que os leilões aconteçam e os investidores apareçam e toquem os projetos logo adiante", aponta.
A Cargill comemorou a pavimentação da BR-163 como "um sonho se tornando realidade". "Nós começamos com o Porto de Santarém (PA) em 2002. Naquela época, a expectativa era de que a estrada ia estar asfaltada para 2002, e levou 18 anos", afirma. O executivo criticou, entretanto, os bloqueios ao longo da última semana na rodovia. "É lastimável porque se tem a paralisação de um fluxo muito importante para o Brasil e para o mundo."
Questionado sobre outros investimentos no Brasil, Sousa disse ver "opções de consolidação", porém, sem revelar o segmento. Em 2019, a Cargill investiu R$ 656 milhões, um aumento de 31% ante o ano anterior. A nova fábrica de pectina em Bebedouro, interior de São Paulo, deve ficar pronta no fim do ano, segundo o executivo. "Existem oportunidades no Brasil que vão surgindo. Estamos acompanhando de perto, com foco um pouco mais nas oportunidades de consolidação que por ventura surjam, até mesmo decorrentes da situação mais complexa da economia."
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