Política
10/08/2020 12:12

Especial: Movimento para aumentar gastos à margem do teto ganha força e preocupa mercado


Por Eduardo Rodrigues e Daniel Weterman

Brasília, 10/08/2020 - O movimento que tem ganhado corpo no Congresso e em alas do próprio governo para encontrar brechas no teto de gastos e permitir a elevação de despesas em 2021 acendeu a luz amarela no mercado. As incertezas sobre a manutenção do rigor fiscal adicionou volatilidade à bolsa de valores e ao câmbio, quando indicadores positivos que sinalizam uma retomada da economia após o pior momento da crise da pandemia de covid-19 deveriam animar os investidores.

Como o Broadcast tem mostrado ao longo das últimas semanas, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, lidera a ala da Esplanada que defende saídas para turbinar investimentos em infraestrutura - desejo que é compartilhado pelos ministros militares e conta com a simpatia do presidente Jair Bolsonaro e seu entorno. Tanto que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) cobrou mais "dinheirinho" para obras públicas em recente entrevista ao jornal O Globo.

Enquanto parte do governo fala abertamente em gastar mais para estimular a atividade e a retomada dos empregos, a equipe econômica perdeu uma das vozes mais enfáticas na defesa do ajuste fiscal. O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, que participou da criação do teto de gastos no governo Temer, deixou o cargo no mês passado.

Com o governo dividido em relação ao teto, o Congresso se animou a buscar manobras que permitam burlar essa regra. O chamado 'orçamento de guerra', aprovado para dar conta do gasto emergencial durante a pandemia permitiu aos parlamentares um sabor de gasto ilimitado que não ocorria desde que a norma - que limita o crescimento das despesas à inflação - entrou em vigor, em 2017.

Líderes da Câmara e do Senado começaram a preparar o terreno para adiar o decreto de calamidade pública, que termina neste ano, e levar a situação até 2021, o que daria aval para o governo Jair Bolsonaro gastar mais com o argumento de combater as consequências da pandemia de covid-19. O decreto só poderá ser adiado com pedido do Executivo. Mas, como o Broadcast Político revelou, o Congresso prepara uma adequação na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixando esse cenário pronto.

O Programa Renda Brasil, em estudo para substituir o Bolsa Família, também entrou na articulação contra o teto de gastos. Lideranças avaliam que só driblando a limitação fiscal será possível criar uma renda mínima ou aumentar os benefícios sociais pagos atualmente. O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), por exemplo, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) autorizando a criação de uma renda básica fora do teto.

O próprio presidente da República tem encampado a ideia de aumentar os gastos com programas sociais, de olho inclusive em uma possível candidatura à reeleição. Recentemente, Jair Bolsonaro esteve no Ceará para inaugurar uma obra da transposição do Rio São Francisco e conversou diretamente com eleitorais prometendo um "novo Bolsa Família".

Como o Broadcast mostrou, o Tribunal de Contas da União (TCU) está atento a essas manobras e promete agir para impedi-las. Mas nem mesmo a corte de contas será capaz de barrar uma alteração na regra do teto que seja eventualmente aprovada por emenda à Constituição.

Cientes de que os planos de romper o teto ultrapassaram o plano das ideias e chegaram ao campo das negociações diárias do Parlamento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o novo secretário do Tesouro, Bruno Funchal, têm reforçado o comprometimento com a âncora fiscal.

Guedes garante que reduzirá drasticamente o gasto federal a partir de 2021 e Funchal avisa que as ameaças à credibilidade do teto têm impacto imediato nos juros, o que encarece a rolagem da dívida do governo. O mesmo alerta tem sido feito reiteradamente pelo Banco Central nos comunicados das decisões de política monetária.

A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, confirma que a temeridade sobre manutenção das regras atuais do teto de gastos passou a ser o maior risco no cenário dos analistas para o próximo ano. "Se a âncora fiscal cair, há grande risco e voltarmos a ter uma alta repentina nos juros. Juros descem de escada e sobem de elevador. Uma má sinalização ou mesmo a efetivação de mudanças na política fiscal, com gastos crescentes, podem prejudicar a retomada da economia após a pandemia", avalia.

A especialista afirma confiar na postura inflexível da equipe de Guedes e critica o ímpeto da classe política em procurar saídas para subverter o gasto emergencial autorizado para enfrentar a crise atual. "Esse é um erro que já foi cometido após a crise de 2009. Aqueles gastos adicionais não foram revertidos e levaram ao estouro do déficit público e à recessão de 2014. Os políticos sempre querem gastar mais, essa é uma zona de conforto da política brasileira há décadas. Qualquer problema é resolvido com aumento de gasto, mas o longo prazo chega e cobra preço muito alto na dívida, nos juros, e na inflação", completa.

Contato: daniel.weterman@estadao.com e eduardor.ferreira@estadao.com
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