Por Felipe Frazão
Brasília, 08/11/2019 - Às vésperas de receber no Brasil para a 11º cúpula do BRICS os chefes de Estado de Rússia, China, Índia e África do Sul, países que reconhecem a legitimidade do regime Nicolás Maduro na Venezuela, o chanceler Ernesto Araújo acusou nesta sexta-feira “potências” de prestarem apoio ideológico, além de material, ao presidente chavista. O Brasil tem uma posição isolada no acrônimo dos países emergentes: é o único dos cinco que faz campanha aberta contra Maduro e trata o deputado opositor Juan Guaidó como presidente venezuelano de direito, embora fora do poder em Caracas.
“Maduro não tem apenas apoio material de fora, de outros países, outras potências, tem apoio ideológico de correntes ao redor do mundo. Na narrativa da mídia, em correntes políticas que falam simplesmente de um autoritarismo para caracterizar o regime venezuelano temos elementos de apoio ao regime Maduro e a todos os males que esse regime tem causado ao seu povo”, afirmou Araújo, ao abrir 16ª reunião do Grupo de Lima, a primeira no Brasil, realizada no Palácio Itamaraty. “Nosso grupo precisa continuar atento a essa dimensão, à raiz ideológica por trás da tragédia que vive hoje a Venezuela e a necessidade de dar o combate no terreno ideológico.”
Araújo afirmou a raiz ideológica do chavismo espalha um “poder maligno” por outras regiões do mundo e disse que a manutenção de Maduro no comando do país é “elemento permanente de desestabilização” em todo o mundo. O chanceler defendeu que a crise democrática na venezuelana seja tratada como uma grande "causa" e que os governos mobilizem a imprensa internacional para sensibilizar a opinião pública em escala mundial.
“O escárnio que a permanência de Maduro no poder representa deveria ser sentido em toda a comunidade internacional, mesmo países a milhares e milhares de quilômetros de distância como um atentado contra os princípios internacionais e os valores humanos mais básicos”, disse o ministro das Relações Exteriores.
A declaração ocorre depois de o negociador brasileiro no BRICS, embaixador Norberto Moretti, dizer que os demais países do bloco deveriam escutar as razões brasileiras para condenar Maduro. Moretti sinalizou mais esforços diplomáticos do Itamaraty para tentar reverter apoios ao chavismo dentro do BRICS.
“Esperamos, antes de mais nada, que o BRICS nos ouça e nos tome como referência para entender a realidade da Venezuela. Continuamos tendo a esperança de que ao perceber de maneira mais profunda qual a realidade de sofrimento do povo venezuelano, os demais países dos BRICS possam se dispor a ser uma parte da solução para esse problema”, afirmou Araújo a jornalistas, ao fim do encontro.
Embora Araújo não tenha nominado nenhum país durante o encontro do Grupo de Lima, Rússia e China são as principais potências militar e econômica do mundo a se posicionar a favor de Maduro e a manter trocas econômicas - ajuda bélica, principalmente no caso russo - que dão esteio ao regime. A Índia também é uma das maiores compradoras do petróleo venezuelano, e a África do Sul possui laços políticos históricos com chavismo.
Coube ao representante de Guaidó no Itamaraty, Julio Borges, citar a Rússia e a China como países que devem tentar ser alcançados pelo Grupo de Lima. “A Rússia tem cada dia mais presença na Venezuela e, hoje em dia, a engenharia financeira que mantém o regime no poder, é eminentemente russa. Eles têm um papel a jogar aqui, podemos alcançá-los. Assim como os chineses, como vocês sabem, são pessoas que estariam dispostas a apoiar uma solução ganha-ganha ao caso venezuelano”, disse o chanceler Borges, reconhecido pelo Brasil.
O ministro das Relações Exteriores do Peru, Gustavo Meza-Quadra, pediu que o grupo apoiador de Guaidó pressione governos que apoiam Maduro para tentar convencê-los de que a permanência dele no poder é uma situação "insustentável" e que compromete os interesses dessas próprias nações na Venezuela. Ele indicou preocupação com as consequências da pressão diplomática mantida pelo Grupo de Lima, sem que haja uma evolução nas situação interna de confronto político.
“Devemos evitar que o enfoque na dicotomia entre os países que reconhecem Guaidó e os que reconhecem Maduro, favorece o status quo que não queremos”, disse o peruano, ao pedir uma negociação crível com base em solução pacífica vinda dos venezuelanos, eleições livres e apoio da comunidade internacional na superação da crise humanitária e na reconstrução da Venezuela.
Estratégia
O chanceler peruano pediu que o Grupo de Lima, criado há dois anos, faça uma reflexão sobre sua atuação e se reorganize para chegar de forma mais eficaz a uma solução pacífica e democrática. O chanceler considerou que Maduro demonstra incapacidade crescente de controlar o país, mas que o cenário de indefinição pode se alastrar por muitos meses sem um desenlace.
“Nossas ações produziram até agora resultados importantes, mas não o retorno pacífico da democracia. É necessário manter a pressão sobre o regime com ações efetivas. Preocupa-nos que as reiterações de nossas posições possam terminar banalizando-as e alimentar a percepção sobre a normalização de uma crise que continua se agravando”, disse Meza-Quadra.
Ele defendeu que os países avaliem a “conveniência de reconduzir as partes a uma mesa de negociação para encontrar uma saída”.
O ministro Araújo respondeu que existe uma “tentação de se destacar menos avanço e falta de acontecimentos”, reconheceu o “desgaste”, mas defendeu a manutenção do Grupo de Lima. “A quem interessa que não exista mais o Grupo de Lima? O trabalho gera desgaste em vários níveis, mas é o preço de estar ao lado do que é certo e justo”, ponderou. “Onde estaríamos sem este grupo? Como estaria a Venezuela sem a mobilização que realizamos em toda a comunidade internacional em favor da democracia venezuelana. Algumas iniciativas não avançaram como gostaríamos, em parte devido a má fé do regime ilegítimo instalado em Caracas.”
Ernesto afirmou que o Brasil só aceita eleições na Venezuela sem uma candidatura de Maduro: “Eleições sem Maduro esse ponto é para nós absolutamente fundamental”.
A linha é a mesma adotada pelo diplomata dos Estados Unidos convidado à sessão defendeu que cada país do Grupo de Lima deve se esforçar em identificar um país com quem mantém relações para trazer à linha de frente ao apoio a Guaidó. “As sanções norte-americanas não serão removidas enquanto Maduro não deixar o poder antes de convocar eleições livres e justas. Eleições com Maduro não são livres nem justas", disse o encarregado de negócios William Popp.
O chanceler argentino, Jorge Faurie, foi um dos que se manifestou contra o uso da força. “Somos a voz da sensatez”, afirmou Faurie, na parte fechada da reunião, sua provável despedida do Grupo de Lima. A expectativa é que o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, da centro-esquerda, passe a integrar o Grupo de Puebla, criado por líderes de esquerda para fazer frente ao de Lima.