Por André Borges
Brasília, 11/05/2021 - O projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, previsto para ser votado nesta terça-feira, 11, pelo plenário da Câmara, contém regras que, se entrarem em vigor, permitirão o asfaltamento de uma rodovia no coração da floresta amazônica, em uma das áreas mais cobiçadas por madeireiros e invasores de terras.
As mudanças na legislação permitiriam o “autolicenciamento” expresso da BR-319, estrada de 870 quilômetros que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). O traçado, que hoje não possui licença prévia ambiental que comprove a viabilidade ambiental do empreendimento, tem boa parte do se trajeto central em leito natural.
Ambientalistas afirmam que, caso as obras da BR-319 seja retomadas sem considerar a complexidade ambiental da região, podem resultar em experiências catastróficas, como o que ocorreu ao longo de toda a BR-163, a rodovia Cuiabá (MT) - Santarém (PA). Por falta de fiscalização e controle, o entorno da BR-163 é tomado por terras em situação irregular, áreas desmatadas irregularmente e focos de incêndio.
O novo substitutivo do Projeto de Lei 3.729/2004, que flexibiliza o licenciamento ambiental no País, passa a enquadrar as obras no traçado como “melhoria” e, por estar na área de domínio da estrada, poderia ser liberada automaticamente. A região central da BR-319 é umas áreas mais sensíveis da biodiversidade amazônica.
Desde 2009, o Ibama aguarda complementos de um Estudo de Impacto Ambiental (Eia-Rima) para autorizar que essa parte central da BR-319, um trecho de 400 km de extensão que está em situação quase intrafegável, seja pavimentada. Há dez anos, o órgão submeteu seus estudos ambientais ao Ibama.
A qualidade do material entregue, no entanto, considerada ruim, levou a autarquia a declarar, naquele ano, que o estudo “não reúne as mínimas condições e informações que permitam avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento”. O pavimento da rodovia, que foi construída e pavimentada entre 1968 e 1976, acabou abandonado após o fim dos recursos do governo militar.
Nos anos seguintes, foi rapidamente dissolvido pelas chuvas, pelas altas temperaturas e pela drenagem do solo. Chegou a ter tráfego em alta velocidade, com linhas de ônibus que faziam de Manaus a Porto Velho em 12 horas. Menos de uma década depois, a estrada já não permitia aceleração acima de 40 km/h, por causa do estado deplorável do asfalto. Em 1988, a rodovia era “intrafegável”, conforme registros históricos do Ministério dos Transportes. Hoje, o projeto está no topo das prioridades do Ministério da Infraestrutura e é cobrado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima, o texto do PL do Licenciamento relatado pelo deputado Neri Gueller (PP-MT), o asfaltamento do trecho do meio da BR-319, pelo procedimento sumário do autolicenciamento, é inconstitucional.
“A proposta faz referência expressa à aplicação da Licença por Adesão e Compromisso, a LAC, para pavimentação em instalações preexistentes. O problema é que transformaram a LAC em um autolicenciamento sem nenhum critério ambiental”, comenta a especialista. Nem mesmo está garantida a conferência do relatório de caracterização do empreendimento, o único documento requerido, alerta Araújo. “O texto fala em amostragem para essa finalidade. Garantia de vistoria em todos os casos de LAC, nem pensar. É o liberou geral, estão matando o licenciamento ambiental. Se duvidar, vão alegar ‘melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes’ e isentar de licença de vez”, diz.
Manifestações
Dezenas de instituições se manifestam nesta terça-feira, 11, na tentativa de convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) a retirar o projeto de pauta. Neri Gueller afirma que se trata de um PL já discutido e revisitado há 17 anos e que o texto final não contém “ideologia”. Os ambientais, porém, alertam que a versão final foi feita a portas fechadas, sem espaço para debates e questionamentos, tampouco para busca de consensos.
A Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional pediu a retirada de pauta do projeto, sob o argumento de que “é extremamente necessário levá-lo para discussões mais aprofundadas antes de uma apreciação em plenário”. “O referido projeto não apresenta qualquer avanço nas pautas de enfrentamento da emergência climática e está completamente desconectado dos biomas e da gestão integrada. Se aprovado, o país perderá a oportunidade de inovar por meio da avaliação ambiental estratégica, do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e da análise integrada. Além disso, poderá enfraquecer a segurança jurídica e a judicialização desse importante instrumento ambiental”, declarou, por meio de nota.
Os protestos contrários à aprovação do projeto reuniram ainda manifestações de organização como a Associação Nacional dos Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ascema Nacional), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e movimentos do campo, como Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
As manifestações também vieram de organizações ligadas à proteção de comunidades indígenas e ribeirinhas, como Instituto Socioambiental (ISA), Indigenistas Associados (INA) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Do lado dos ruralistas, o PL contra com campanha favorável pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico. No Congresso, a percepção geral é de que, apesar da pressão, parlamentares da bancada ruralistas querem impor sua maioria e, com apoio de Arthur Lira, levar a votação para o plenário, independentemente das críticas.