Por Bruno de Castro, Sofia Aguiar e Matheus de Souza
São Paulo, 24/05/2021 - O relacionamento das redes sociais com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado é uma via de mão dupla. Senadores recebem um amplo material dos internautas apontando as possíveis contradições das testemunhas, mas também são cobrados sobre o andamento dos trabalhos e as ações que o colegiado pretende tomar para combater este tipo de conduta.
Cada sessão da CPI tem seu momento de ocupar o debate dos assuntos mais comentados do Twitter. As sessões são acompanhadas pelo canal oficial da TV Senado, e os internautas também realizam lives sobre o assunto.
Nas redes, movimentos organizados de contas que acompanham assiduamente as sessões se unem em um esforço de coletar possíveis discrepâncias e mentiras, que chegam à mão dos parlamentares ainda durante os depoimentos, colocando quem ocupa a cadeira das testemunhas em uma posição complicada.
Além da presença certa nos Trending Topics do Twitter, grupos do Telegram que acompanhavam o reality show da TV Globo BBB21 e ficaram carentes com o seu término decidiram mudar o rumo e apostam no acompanhamento ao vivo da CPI para manter o nível de entretenimento.
Em entrevista ao Estadão, Erica Mathias, criadora do canal Espiadinha, no Telegram, acredita que a CPI tenha entrado em uma lacuna de entretenimento. “Eu enxergo como algo positivo, porque grande parte dos brasileiros enxerga a política como algo chato, difícil de entender”, disse.
Em entrevista ao Broadcast Político, os administradores das páginas no Twitter Jair, Me Arrependi e Tesoureiros do Jair, que somam mais de 313 mil seguidores, detalharam o processo de apuração dos depoimentos feitos à comissão. Sob anonimato, por receio de represálias, os perfis apresentam contrapontos aos depoentes e interagem com os senadores do colegiado.
De acordo com os administradores, a apuração das declarações dos depoentes é baseada em um acervo de notícias e posicionamentos do Planalto, dos ministérios e seus representantes. “Nós acompanhamos o governo desde o comecinho. Aquelas postagens que a gente faz servem como um acervo do que o governo tem feito”, afirmou Jair, Me Arrependi.
Segundo eles, essa dinâmica foi utilizada no contraponto ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, quando ele afirmou que o aplicativo Tratecov teria sido um protótipo disponibilizado por meio de um ataque hacker aos servidores da pasta. Entretanto, de acordo com os perfis, "existia um domínio do ministério da Saúde chamado tratecov.saude.gov.br que direcionava para o aplicativo que prescrevia hidroxicloroquina para todo mundo, basicamente”.
“O que temos é tudo arquivo público, as pessoas viram aquilo ali acontecendo. O maior trabalho da gente é contextualizar e publicar”, afirmou Jair, Me Arrependi. Para Tesoureiros do Jair, a ação não seria a “Vaza Jato”. “A gente só está mostrando o que eles, orgulhosamente, colocaram em suas redes sociais e em suas lives durante a pandemia inteira”, afirmou.
Os internautas afirmaram ainda que dispõem do mesmo acervo para investigações em outros temas alheios à covid-19. “Eu tenho material que pautaria uma CPI do Meio Ambiente, por exemplo, mas não está sendo utilizado”, disse Tesoureiros do Jair.
Segundo eles, os seguidores desempenham um importante papel nesse processo, seja apontando possíveis contradições nos depoimentos ou chamando a atenção dos parlamentares para as denúncias apresentadas. Além disso, através de ferramentas específicas, os administradores recuperam postagens de governistas que foram deletadas nas redes.
“Muita coisa já sumiu. Por exemplo, o TrateCov inteiro já sumiu, apesar de existirem alguns rastros. As notas informativas do Ministério da Saúde recomendando tratamento precoce, inclusive para crianças e bebês, sumiram”, afirmou Tesoureiros do Jair. “O expediente deles é publicar e ver que estão errados. Tanto no governo quanto nas redes sociais. Eles erram, mas nunca pedem desculpas, nunca se retratam”, completou Jair, Me Arrependi.
Os administradores avaliam essa participação das redes nos trabalhos da comissão como um movimento democrático, que permite o diálogo entre os senadores e a sociedade. Segundo eles, entretanto, os parlamentares governistas não participam. “Eu já troquei uma DM com Bia Kicis (PSL-DF). Ela viu meu nome e achou que eu era governista. Eu dei uma resposta e ela me bloqueou na hora”, afirmou Tesoureiros do Jair.
O destaque que esses perfis vêm ganhando com a CPI tem aumentado o engajamento das contas, o que eles atribuem à grande abrangência da pauta investigada. “O tema vacina atinge o Brasil todo, não teve uma pessoa nesse País que não foi afetada diretamente”, afirmou Jair, Me Arrependi. Os administradores defendem que outras CPIs, como a do derrame de petróleo cru no litoral do Nordeste, não mobilizaram o País como um todo da mesma forma que a pandemia. “Convenhamos, o óleo que atingiu a costa é um tema muito grave e sério, mas o impacto não foi sentido, por exemplo, por quem mora no centro do País. A gente sabe que as pessoas não tendem a voltar a atenção para todos os temas que são importantes com a mesma proporção”, completou.
Esse movimento resultou no aumento exponencial nas menções e visualização das postagens. “Esse mês eu ganhei mais seguidores do que a soma dos últimos seis meses acumulados”, afirma Tesoureiros do Jair. “Acho que nunca tive esse tanto de engajamento”, concluiu Jair, Me Arrependi.
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