Por Francisco Carlos de Assis
São Paulo, 04/11/2019 - A motivação fiscal da reforma administrativa a partir do teto de gastos, que deve ser extrapolado brevemente, é uma lógica que não deveria ser seguida, disse há pouco o ex-ministro do Planejamento, Valdir Simão, durante seminário da Amcham que trata do tema. “Esse assunto é muito importante, muito sério para a gente só enxergar números e não as pessoas”, criticou o ex-ministro. Ele faz questão de ressaltar que quando se refere a pessoas não fala de servidores públicos apenas, mas do cidadão.
O pano de fundo, de acordo com Simão, é que o Estado Brasileiro não confia na sociedade. “Eu fui servidor público durante 30 anos da minha vida e aprendi que o Estado não confia na sociedade e o que é pior, o Estado não confia no próprio Estado. Há uma concorrência institucional no privilégio de dotação de informações e uma reserva de mercado organizada por tarefas. A má notícia é que a sociedade também não confia no Estado”, disse.
Essa relação, de acordo com o ex-ministro, é complicada e deveria ser passada a limpo. E passar a limpo a relação entre Estado e sociedade, segundo Simão, é compreender que o cidadão no dia a dia das empresas não quer ter a necessidade de se relacionar diariamente com agente público ou com agências de governos.
“O Brasil é muito complicado não só para exercer direitos, mas até para cumprir obrigações que fazem com que cada um de nós sejamos impactados por medidas administrativas diárias que para nós não faz sentido algum. Alguém sabe dizer porque eu preciso trocar o documento do meu carro todos os anos?”, disse o ex-ministro. Para ele, isso só acontece porque deve haver uma gráfica muito importante ganhando dinheiro público com a impressão dos documentos. “Tirando isso, qual a relevância de algo assim? Essa natureza da relação burocrática conflituosa entre Estado e sociedade precisa ser revista”, disse.
No entanto, de acordo com o ex-ministro, esta revisão precisa ser feita sobre a base de dois princípios: simplicidade e sensibilidade. A sensibilidade é para facilitar aquele que efetivamente precisa requisitar uma organização estatal. A simplicidade é para que esse acesso seja simples porque a complicação e a burocracia andam de mãos dadas com a corrupção.
“Essa relação não precisa também ser necessariamente baseada em tecnologia. A tecnologia é muito importante, mas o cuidado que a gente precisa tomar é para não informatizar a burocracia, que é o que vi na minha vida toda. Nós informatizamos processos de trabalho que poderiam simplesmente ter deixado de existir”, criticou Simão. Para ele, a inovação não é um fim em si mesma.
Por isso, de acordo com ele, a preocupação é o viés financeiro norteando a reforma administrativa. Ele diz saber que o governo não está atrás somente disso, mas que muitos dos problemas citados pela imprensa já foram resolvidos pela Emenda 19 do ano de 1998. A questão da estabilidade do funcionalismo após três anos já é assim. “O problema é que a gente não faz a avaliação do estágio probatório”, disse.
De acordo com ele, lei para demitir funcionário público por falta desempenho já existe desde 1990. “O que falta é uma reforma gerencial. O nosso apagão é de gestão e não é por conta dos órgão de controle. Existe uma muleta que os administradores públicos usam para justificar o que não estão fazendo”, disse. De acordo com Simão, o apagão de gestão existe porque os servidores públicos são contratados para serem técnicos e não gerentes.
Para ele, se acostumou a atribuir a servidores públicos no Brasil tarefas que não deveriam ser executadas por estes agentes e que encarecem e deixam a máquina pública pesada.
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