Economia & Mercados
08/08/2020 21:46

Indústria precisa se preparar para o momento pós-pandemia, diz vice da Fiesp


Por André Vieira

São Paulo, 08/08/2020 - No dia em que superou as 100 mil mortes com a covid-19 e o combate contra a doença segue, o Brasil precisa também se preparar para buscar uma saída econômica, política e social para o momento pós-pandemia. O empresário José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Fiesp, vê um quadro preocupante. As soluções passam, primeiro, pelas reformas tributária e administrativa, além da consolidação de taxas de juros reais. Neste cenário, Roriz acredita que o grande papel da indústria é ter coesão e unidade no discurso, o que não tem acontecido nos últimos anos. Ele defende um "um choque de indústria", ou seja, um profundo processo de reindustrialização. A seguir trechos da entrevista:

Broadcast: Chegamos a 100 mil mortes por causa da covid-19. Qual o balanço até aqui?
José Ricardo Roriz Coelho: Essa estatística de 100 mil mortos, em quase cinco meses, é lamentável. Especialmente porque não houve o reconhecimento da dimensão do problema como deveria ter ocorrido. Era fundamental também ter tido uma convergência entre todos os atores necessários para mitigar os efeitos negativos dessa crise na saúde das pessoas. Isso comprometeu muito a vida dos familiares daqueles que morreram. Além daqueles que perderam a vida, afetou quem acabou desempregado e prejudicou também as empresas, que vão sair muito machucadas dessa crise.

Broadcast: Qual será o quadro social, econômico e político que devemos encontrar no Brasil do pós-pandemia?
Roriz Coelho: Preocupante. As empresas vão sair muito endividadas, pois os juros tomados em empréstimos são altos - a Selic está em 2,25%, mas o de empréstimo está a 15%, 16% - e estão trabalhando com 35% de ociosidade. Além disso, a partir de agora, elas vão trabalhar com custo operacional muito maior, por causa dos protocolos para atender a pandemia. O transporte dos funcionários para a fábrica é mais caro, o distanciamento necessário no ambiente também tem custo, o uso de EPIs, álcool em gel e termômetros, enfim, uma série de investimentos foram feitos e serão mantidos. Portanto, há um custo financeiro, por causa dos empréstimos, um custo de produção mais alto, sem esquecer de questões fiscais, com o pagamento de impostos atrasados. Outro processo que deve sofrer aceleração é a automatização. Fábricas automatizadas não têm os mesmos custos de protocolo de saúde do que fábricas com muita mão-de-obra humana. Então, haverá intensificação nesse caminho.

Broadcast: Quem se sai melhor são as empresas digitalizadas?
Roriz Coelho: As empresas que não estavam preparadas para vender por comércio eletrônico terão novos custos para implementar as plataformas. O cliente fiel que ia nas lojas físicas aprendeu a comprar online e percebeu uma série de opções e vantagens. Por falar em compras pela internet, o aumento de gastos com cartão de crédito, o meio preferencial de quem consome de casa, deve acarretar no crescimento de endividados - os juros do cartão estão acima de 300%. Por consequência, boa parte deve ficar excluída do mercado consumidor. Tudo isso terá de ser olhado.

Broadcast: Como o senhor vê o consumo das famílias no pós-pandemia?
Roriz Coelho: No lado das famílias, em primeiro momento, o auxílio emergencial deu um gás muito forte para a economia, mas teremos muitos problemas quando a ajuda acabar. Há uma massa de desempregados e há uma camada trabalhadores que, após período de 3 meses de complementação salarial do governo (estabelecida pela MP 927), infelizmente, será demitida. É um cenário devastador.

Broadcast: E o comércio exterior?
Roriz Coelho: Com relação às exportações, é um cenário difícil, porque existe uma diminuição da demanda mundial. O padrão de consumo, resultado do "novo normal" da pandemia, também vai mudar muito. As pessoas não serão tão consumistas como eram. No mundo todo, haverá uma mudança de comportamento, de hábito. Já no aspecto político, teremos eleições municipais em novembro e a eleição da presidência da Câmara (início de 2021), além do debate em torno do pleito de 2022, já a partir do segundo semestre do ano que vem. Em tempos eleitorais, há muito mais dificuldade de convergência, porque cada partido ou candidato vai querer se diferenciar. É um obstáculo grande para o consenso, muito importante na saída da pandemia

Broadcast: O que pode ser feito?
Roriz Coelho: Até dezembro, o país precisa votar a reforma tributária e a reforma administrativa. A reforma tributária, de um lado, vai dar mais fôlego para as empresas terem competitividade para exportação e para combater produtos importados aqui durante esse período. Você vai dar visibilidade e previsibilidade aos investidores, que precisam saber e entender o regime tributário no país. Existem muitas assimetrias no sistema brasileiro, que são especialmente negativas para os produtos "tradables" (produtos que sofrem concorrência externa), que são produzidos em qualquer lugar do mundo. No Brasil, como se tem uma carga tributária muito grande, na hora em que se adiciona valor aos produtos, às matérias-primas ou recursos naturais, eles não têm competitividade para exportação. E os produtos que chegam ao Brasil, vêm com uma carga tributária menor dos países de origem. Portanto, é preciso corrigir essas assimetrias. Outra correção é a regressividade.

Broadcast: Como buscar isso?
Roriz Coelho: Não dá mais para as pessoas mais pobres pagarem mais impostos, proporcionalmente, do que os mais ricos. Se os mais pobres não tiverem aumento de renda, com emprego de melhor qualidade, não vão consumir. Além disso, os juros baixos precisam chegar, efetivamente, até essas pessoas.

Broadcast: O imposto sobre o consumo é o grande problema?
Roriz Coelho: Costumo dizer que, quando alguém compra uma TV, compra, na verdade, três: uma para pagar os juros, outra para os tributos e só a terceira ele leva pra casa. A partir do momento em que se consolidar a taxa de juros baixa e houver uma carga tributária menor no consumo, a capacidade de compra da população vai aumentar muito. Isso vai gerar mais atividade na indústria, mais empregos de boa qualidade, vai aquecer o setor de serviços, enfim, resulta em um ciclo virtuoso, uma alavanca para levantar a situação econômica, que está muito ruim.

Broadcast: E o novo imposto sobre transações financeiras?
Roriz Coelho: Sem saber a base de incidência, qual é o tamanho desse imposto e qual será substituído, é difícil opinar. Primeiro porque qualquer novo imposto é indesejável. Segundo porque falamos muito sobre esse tema, mas até agora o governo não apresentou qual é a sua proposta. O ideal é que tivéssemos uma convergência para as três propostas, a do governo, a dos Senado e a da Câmara.

Broadcast: Qual é a contribuição da indústria diante desse cenário?
Roriz Coelho: A indústria precisa ter unidade. Enquanto os outros setores da economia, o agro, o serviço e a construção civil são extremamente claros e objetivos no que querem. Há uma indústria que está passando por um processo de renovação, de identificação de lideranças realmente voltadas aos interesses do Brasil. No que diz respeito à atuação efetiva do setor, reforço que país precisa de um choque de indústria. Como revela estudo publicado pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), o Brasil passou pelo mais grave processo de desindustrialização prematura do mundo. De 1970 a 2017, a participação da indústria brasileira no PIB teve recuo de 21,4% para 12,6%. Para se ter a dimensão, no mesmo período, a média dos outros países teve ganho, ou seja, o setor aumentou sua participação no PIB de 15,7% para 17,3%. Mesmo com a exclusão da China, há certa estabilidade no índice global: era 15,8% em 1971 e passou para 15,1% em 2017. Mais do que deter, é preciso reverter o cenário.

Broadcast: Quais as projeções para a indústria e para o PIB em 2020?
Roriz Coelho: O desempenho do PIB deve ficar na faixa de -6%, e a indústria deve ficar um pouco acima disso. Sobre emprego, sabemos que há cerca de 30 milhões de pessoas à margem de um trabalho qualificado, que agrega valor. São pessoas que estão apenas sobrevivendo ao largo da economia.

Contato: andre.vieira@estadao.com
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