Por Julliana Martins
São Paulo, 22/09/2020 - Os incêndios que assolam o Pantanal em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso têm deixado um rastro de destruição e prejuízo à atividade pecuária no bioma. Além da morte de animais, fazendeiros contabilizam perdas das pastagens e de infraestrutura, caso de Ricardo Arruda, pecuarista que viu mais de 80% da sua propriedade em Poconé (MT) ser destruída pelo fogo. Aqueles que conseguiram salvar os animais também tiveram despesas extras, ao precisar deslocar os bovinos para áreas seguras, longe do fogo, como pastagens alugadas, confinamentos ou fazendas vizinhas, além de ter de alimentar os animais com grãos em vez de pasto, o que significa custo adicional.
O prejuízo total dos pecuaristas do Pantanal ainda não pôde ser mensurado, já que os incêndios continuam, segundo a diretora executiva da Associação de Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Daniella Bueno. "Muitas propriedades não conseguiram tirar o gado. Então, além do prejuízo da destruição do pasto e da estrutura, ainda tem a perda animal. Isso não vai ser recuperado do dia para a noite." Ela comentou, ainda, que, diferentemente de Mato Grosso do Sul, a legislação em Mato Grosso não permite investimento em pastagens diferentes das nativas no Pantanal e isso, dentre outros fatores, vem gerando um maior abandono de terras, que agora são consumidas pelo fogo. "Certamente veremos uma redução na produção de bezerros neste ciclo. Para a perda não ser maior, continuamos rezando para vir a chuva", disse ao
Broadcast Agro.
Os incêndios já atingiram cerca de 15% de todo o Pantanal, e levaram o Estado de Mato Grosso do Sul a decretar emergência ambiental por 90 dias. Ontem, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), disse que estava formalizando um pedido ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para envio da Força Nacional para atuar no combate às queimadas em várias regiões do Estado. Segundo o Estado, o governo federal já sinalizou que enviará o reforço. As chuvas, tão esperadas por moradores, vieram no fim de semana e ajudaram a reduzir os focos de incêndio.
No caso da pecuária, seca extrema e pastagens abandonadas formaram combinação perfeita para alastramento do fogo. FOTO: SAUL SCHRAMM/GOVERNO MS
A fazenda de Arruda - que também é diretor da Acrimat no Vale do Rio Cuiabá - fica na área da planície pantaneira. Ele conta ao
Broadcast Agro que nem mesmo a presença do Corpo de Bombeiros na propriedade por cerca de dez dias e um trabalho preventivo evitaram que o incêndio se alastrasse pela fazenda, de 9 mil hectares. Agora, com o fogo já controlado, ele monitora, junto a especialistas da região, se ainda há pequenos focos, especialmente em áreas de maior dificuldade de acesso. Até o momento, Arruda contabiliza a perda de cercas, de pasto nativo e plantado, de infraestrutura de armazenamento, currais de apoio, bebedouros e até da ponte de acesso à propriedade.
A pesquisadora Sandra Santos, da Embrapa Pantanal, admite que a seca deste ano é a mais extrema que ela já viu nos 33 anos em que trabalha na região - o que potencializou os incêndios de agora. Ao
Broadcast Agro, ela explica que a principal atividade pecuária na região de Poconé é a cria de bezerros, mas que nos últimos anos a região vinha registrando um abandono de propriedades. "Quando você tira o gado, a vegetação invade mais e é um combustível para o fogo. Nas fazendas com baixa densidade de gado, o incêndio se alastra ainda mais", disse. A pesquisadora comentou também que o município de Poconé foi o mais afetado por queimadas no Pantanal nos meses de agosto e setembro, e que, além do fogo, a falta de água é outra preocupação dos pecuaristas. "Fiquei sabendo que o Rio Paraguai, que sempre tem água, está com 27 cm de profundidade. O rio nunca baixou tanto", afirmou, acrescentando que isso influencia não apenas a pecuária, como o transporte pela hidrovia e a pesca dos ribeirinhos.
Na avaliação da pesquisadora, as áreas do Pantanal que foram menos atingidas foram as mais bem manejadas, com um balanço entre pasto nativo e plantado. "Pasto plantado é uma necessidade no Pantanal. Tem propriedade com poucos campos limpos, mas a gente sempre recomenda que se preserve a fauna para criar o gado. O ideal é o equilíbrio", disse Sandra Santos, reforçando a necessidade de a atividade ser realizada de modo sustentável. Segundo ela, as queimadas no bioma são comuns como prática de manejo e ela não é contra, desde que sejam bem utilizadas e apenas como uma última opção. Ela acrescentou que o fogo ainda não chegou à fazenda experimental da Embrapa, que fica na sub-região de Nhecolândia, uma das menos atingidas e com um dos maiores rebanhos de gado do Pantanal. Ainda assim, eles seguem em alerta e correndo atrás de poços de água para amenizar a seca.
No caso da fazenda de Ricardo Arruda, na qual ele representa a quarta geração da família, a identificação do fogo ainda fora do terreno foi o que permitiu a retirada do gado. Ele contou ao
Broadcast Agro que o gado foi desmobilizado para outras propriedades da família na região mais alta do Pantanal, próxima das áreas de transição para o Cerrado. "Nas áreas mais altas, não temos essa oferta de pastagem. Então estou tendo que fazer suplementação com alimentos concentrados (ração à base de soja e milho), o que encarece muito o custo de produção", disse.
No Pantanal, em função dos ciclos de seca e de enchentes, Arruda costuma trazer o gado das fazendas mais altas para a propriedade de Poconé no mês de junho, para aproveitar o pasto. O retorno é realizado por volta de dezembro, quando a cheia dos rios atinge a propriedade mais baixa. "Quando eu ia começar a descer o gado em junho, já não deu por causa da seca. Então, além de ter que tirar todo o rebanho que já estava lá, quando normalmente eu tiro apenas uma parte, ainda não pude descer o rebanho das outras fazendas", disse ele, acrescentando que, agora, o retorno dos animais só deve ocorrer a partir de maio, depois da vazante.
"Na planície pantaneira do município de Poconé, do ponto de vista da pecuária, as perdas só não são maiores porque a atividade já vinha em decadência há muito tempo", disse Arruda, acrescentando que a legislação impede uma série de melhorias na infraestrutura, por exemplo. A partir de agora, a preocupação em relação à produção é sobre a regeneração das pastagens queimadas. Na fazenda dele, cerca de 90% do pasto era nativo e outros 10% de pasto plantado. "Não podemos contar apenas com as primeiras chuvas, se trouxer o gado de volta sem ter certeza de que vai ter alimento, pode ser um tiro no pé".
O fazendeiro e diretor da Acrimat contou, ainda, que a sua propriedade faz parte do programa da Embrapa de Fazendas Pantaneiras Sustentáveis, contendo o melhor índice de sustentabilidade ambiental. "Para ter um indicador muito bom do ponto de vista ambiental, nós apresentamos um dos piores índices de sustentabilidade econômica. E o resultado foi esse. Acredito que a sustentabilidade que buscam para o Pantanal tem que incluir o ponto de vista social e o econômico, é preciso que haja essa integração com o lado ambiental", alertou ele.
Em Mato Grosso do Sul, os incêndios já estão se refletindo nos preços do mercado de reposição de gado e do gado gordo, segundo o presidente da Associação de Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Jonatan Pereira Barbosa. "O mercado segue valorizado, sustentado pelo período de entressafra, mas também pelos prejuízos dos pecuaristas afetados pela seca que atinge a região pantaneira do Estado", contou ao
Broadcast Agro. Ele espera, entretanto, que dentro de 40 dias haja uma regulação do mercado para quem compra e quem vende. "Quem vende o boi gordo tem que comprar o magro, garrote, e isso faz com que o preço do bezerro esteja em média R$ 2 mil. Isso tudo porque falta gado no mercado", disse.
De acordo com Barbosa, há ainda um pequeno número de animais que continuam na região mais afetada, mas em locais seguros. Grande parte, contudo, foi levada para outras regiões, onde a seca não aflige tanto. "Desde o fim de julho, pecuaristas vinham retirando os animais da região, já antecipando que a seca seria mais intensa em agosto e setembro. O pouco gado que ainda está ali não está no campo, onde o fogo está correndo", contou. Entretanto, a transferência dos animais para confinamentos, por exemplo, gerou um outro desafio para os pecuaristas. "Os estoques de ração estão baixos, em função dos preços altos dos grãos. O custo para criar gado confinado está muito maior", comenta. Na visão dele, o gado só deve retornar para o campo em torno de março e abril.
A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) disse em nota que vem acompanhando com preocupação a atual situação provocada pelas queimadas em todo o Estado. A instituição comenta que os efeitos econômicos na pecuária ainda não foram mensurados, mas que o trabalho de alerta a produtores quanto à necessidade de medidas de prevenção continua, incluindo uma série de orientações sobre o combate aos focos de incêndio das propriedades. "Medidas como confecção de aceiros ao redor das áreas protegidas, estradas, cercas e edificações como casas, galpões e mangueiros, além da organização de equipes das propriedades são fundamentais para minimizar os riscos de incêndio e agilizar o combate", destaca o diretor tesoureiro da Famasul, Marcelo Bertoni.
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